Uma grande variedade de recobrimentos duros vem sendo utilizada em ferramentas, com a finalidade de aumentar a resistência ao desgaste e o poder de corte. Atualmente, os carbonetos e nitretos dos metais de transição, o diamante e os DLC (diamond like carbon) são os materiais mais utilizados para essa finalidade. Esses materiais apresentam elevada dureza e elevada inércia química, propriedades que conferem baixo coeficiente de atrito, alta resistência ao desgaste e baixa interação
química com a peça a ser trabalhada. Entre os diversos fatores que afetam o desempenho e a vida das ferramentas de corte, os recobrimentos são, provavelmente, os mais importantes. A composição química do recobrimento e a aderência ao substrato são determinantes para a melhoria da produtividade na usinagem.
Os desenvolvimentos mais recentes na área de recobrimentos de ferramentas de corte têm possibilitado um aumento de até 20% na taxa de remoção de material, sem comprometimento do acabamento superficial das peças trabalhadas.
Quando recobertos por processos especiais, os insertos apresentam arestas de corte mais duras e mais resistentes ao desgaste, sustentadas por substratos de alta tenacidade, que suportam temperaturas elevadas, resistem ao trincamento e são especialmente indicados para operações de usinagem a seco.
A deposição física a vapor (PVD) e a deposição química a vapor (CVD) são dois processos utilizados para aplicar recobrimentos duros em ferramentas e insertos. O processo PVD, utilizado principalmente no recobrimento de ferramentas de aço rápido, consiste em vaporizar o material do recobrimento e expor a ferramenta a esse vapor em temperaturas relativamente baixas, entre 150oC e 550oC. A deposição química a vapor CVD ocorre por meio de uma reação química entre gases, por exemplo, hidrogênio, cloreto de titânio e metano, em atmosfera de nitrogênio, para criar um recobrimento de TiCN, geralmente em temperaturas bem mais elevadas (900oC a 1.000oC), não sendo aplicável aos aços ferramenta.
Em geral os recobrimentos PVD são mais finos que os recobrimentos CVD. Por meio de processos PVD aplicam-se revestimentos TiN, TiCN, TiAlN com espessuras entre 3 _m e 8 _m. Os processos CVD são usados para depositar não somente TiN e TiCN, mas também outros materiais como o óxido de alumínio, cuja função é a de atuar como barreira térmica, podendo atingir espessuras de até 180 _m.
Figura 1 – Inserto recoberto com filme TiN depositado por processo PVD.
Relação microestrutura– propriedades
O projeto e a fabricação de ferramentas revestidas apropriadas para os diferentes tipos de aplicações requerem bom conhecimento da relação processamento– microestrutura–propriedades– desempenho, característicos de processos PVD e CVD.
O desempenho de filmes tribológicos é, em grande parte, determinado por sua dureza. A tabela 1 mostra a dureza e outras propriedades de materiais freqüentemente utilizados em recobrimentos duros, comparados com as propriedades típicas dos aços. Observa-se que os materiais de recobrimento são muito mais duros, apresentam pelo menos o dobro do módulo elástico e têm coeficiente de expansão térmica variando entre 1 e 0,5 do coeficiente de expansão térmica do aço. Os pontos de fusão são muito altos e indicam uma elevada inércia química desses materiais. A alumina apresenta metade da condutividade térmica do aço e, por essa razão, é utilizada como barreira térmica em vários tipos de recobrimentos. Além disso, o comportamento tribológico dos filmes depende de sua microestrutura, determinada pela técnica de deposição e suas variáveis de processo.
O crescimento de filmes durante a deposição ocorre geralmente por meio da formação de grãos colunares, como mostra a figura 2.
Durante o crescimento poderá haver maior ou menor incorporação de defeitos ao filme, resultando em grãos mais ou menos regulares. Os primeiros modelos de formação de estruturas em filmes depositados foram desenvolvidos no final da década de 70. Quatro zonas de crescimento podem ser observadas.
A zona 1 é formada basicamente por grãos colunares finos, contendo grande quantidade de poros nos contornos de grão. A zona 2 é constituída por grãos colunares grandes e fortemente direcionados. A zona T de transição, entre a zona 1 e a zona 2, obtida para uma faixa mais baixa de temperaturas de substrato entre 0,1 T/Tm e 0,4 T/Tm e pressões de gás entre 1 mTorr e 10 mTorr, pode ser caracterizada por um arranjo denso de grãos em forma de fibra e ausência de poros nos contornos de grão. Os filmes formados na zona T são muito mais densos e menos rugosos e apresentam as melhores propriedades tribológicas. O processamento de filmes em baixas temperaturas, baixas pressões de gás no reator e alta tensão de aceleração de íons promove estruturas com melhores propriedades.
Recobrimentos multicamadas.
A deposição de estruturas multicamadas, de espessuras variáveis, constitui um meio de se obter recobrimentos com composição química, microestrutura e propriedades mecânicas e tribológicas especialmente projetadas. Em geral, é possível obter nesses filmes dureza e resistência ao desgaste superior às de cada uma das camadas constituintes em separado. A deposição multicamadas é feita com o intuito de facilitar a adesão entre o filme e o substrato e de obter filmes de baixa reatividade química, baixo coeficiente de atrito, alta dureza e alta resistência ao desgaste .
Figura 2 – Microscopia eletrônica de transmissão de filme de TiAlN depositado por processo PVD, a 400oC
Pode-se obter durezas maiores que 5.000 kgf/mm2 em super-reticulados de TiN/NbN e TiN/VN com estrutura modulada, de comprimento de onda entre 5 nm a 8,5 nm, como a da figura 3. Esse valor de dureza é muito maior que o esperado pela lei das misturas, considerando os valores de dureza dos filmes TiN, NbN e VN[3]. Nordin et al.[4] obtiveram recobrimentos multicamadas, constituído de filmes finos alternados de TiN (2.200 kgf/mm2) e CrN (1.000 kgf/mm2), com 6,5 nm de espessura, formando superreticulados de dureza entre 3.500 e 3.900 kgf/mm2, em recobrimentos com 1,5 _m de espessura total. As excelentes propriedades dos revestimentos multicamadas têm sido explicadas, baseadas nas diferenças entre os módulos elásticos dos dois materiais, nos efeitos de tensões e deformações elásticas devidas ao desajuste de reticulados cristalinos e na restrição à movimentação de discordâncias interposta pelas interfaces.
Os recobrimentos multicamadas com formação de super-reticulado são geralmente obtidos por processos PVD, sendo o mais comum o sputtering reativo. Trata-se de um processo em que alvos de Ti, Nb e outros metais são erodidos em plasma de (N2 + Ar), obtendo-se compostos estequiométricos de alta dureza. Um outro exemplo de recobrimento multicamada pode ser visto na figura 4. A camada mais fina e mais externa é constituída de TiN, de cor dourada, que confere baixo coeficiente de atrito, alta lubricidade e funciona como indicador de desgaste, na medida em que vai sendo removida durante operação de corte. Na usinagem de metais moles que sofrem empastamento, ferramentas recobertas dessa forma apresentam maior resistência à formação de aresta postiça de corte, em razão da maior lubricidade.
Fig 3 – Microscopia eletrônica de transmissão da seção transversal
de filme com super-reticulado TiN/NbN (100), de periodicidade de 9,4 nm[4] .
A segunda camada, mais espessa, é constituída de grãos colunares muito finos, de óxido de alumínio alfa, que funcionam como barreira térmica, impedindo aquecimento excessivo da parte interna da ferramenta. Finalmente, a terceira camada é constituída de grãos colunares de TiCN, que atuam como amortecedor para a penetração de trincas, aumentando a tenacidade do substrato. Essas ferramentas são especialmente indicadas para usinagem a seco ou usinagem com
elevadas taxas de remoção de material.
Relação H/E
Apesar das melhorias na usinagem em alta velocidade, ou para corte intermitente, as ferramentas de corte revestidas continuam a apresentar altas taxas de desgaste. A principal causa não está associada ao desgaste abrasivo dos revestimentos, mas às falhas adesivas na interface camada de TiN/ substrato, em regiões próximas ao gume das ferramentas e à saída do cavaco. Em geral, as camadas de TiN aplicadas em ferramentas de corte têm espessura de 3 _m a 8 _m, dureza de 2.000 HV a 2.500 HV e uma razão entre dureza e módulo de elasticidade H/E de aproximadamente 0,06. São freqüentemente aplicadas em substratos de dureza sensivelmente menor; por exemplo, em aços rápidos com 800 HV a 900 HV e razão H/E de proximadamente 0,04. Nessas abrupta dessas propriedades na interface evestimento/substrato, na qual geralmente iniciam as falhas.
Uma boa opção para aproximar as propriedades do substrato e da camada, sem causar prejuízo à tenacidade das ferramentas, é modificar as pro priedades do substrato somente em regiões próximas à interface com o revestimento.
Figura 4 Revestimento multicamada produzido por CVD, constituído
de (a) TiN, (b) _ – Al2O3 e (c) TiCN.
Nessa linha, é fundamental o uso da nitretação por plasma como uma técnica de pré-tratamento do substrato, para melhorar as condições de suporte de revestimentos duros, com melhoria das características tribológicas[5], o que pode ser conseguido por meio de tratamentos superficiais combinados, denominados PAPVD (plasma assisted physical vapor deposition), gerando as tecnologias de camadas dúplex e camadas híbridas.
Fonte e Referências: Caderno Técnico de Metalúrgia & materiais-
Abril 2004 – André Paulo Tschiptschin Relação estrutura–propriedades em recobrimentos duros .
1. Hultman, L.; Sundgren, J.E. IN: Handbook of Hard Coatings – Deposition Technologies, Properties and Applications. Ed. Bunshaw,
R.F., p. 111, Noyes Publications, Park Ridge, New Jersey, 2001.
2. Thornton J.A. Annual Review of Materials Science, vol. 7, pp. 239-260, 1977. 3. Chu, X.; Barnett, S.A.; Wong, M.S.; Sproul, W.D. Surface and Coating Technologies, vol. 57, n. 1, pp. 13-18, 1993 4. Nordin, M.; Larson, M. Surface and Coatings Technology, vol. 116-119, pp. 108-115, 1999. 5. Franco, Jr. A.R. Obtenção de Revestimentos Dúplex por Nitretação a Plasma e PVD-TiN em Aços Ferramenta AISI D2 e AISI H13, Tese de Doutoramento, Epusp, 2003